A Fotografia dos Pintores, dos Viajantes e dos Turistas. Arsène Pélegry, 1879. – Introdução.

Gostaria de publicar aqui a tradução que fiz, e me perdoe eventuais erros (sou ruim de português e pior de francês), da introdução do manual de fotografia do francês Arsène Pélegry, de 1879. O livro traz a descrição de seu processo fotográfico para fazer negativos de papel, também conhecidos como calótipos. Uma primeira informação que chama a atenção, pensando na história da fotografia, é que ele insere uma nova técnica para um processo tido como superado desde 1851, pela técnica do colódio úmido do inglês F.S. Archer.

Pélegry propõe mais um processo seco, em vez de úmido, como originalmente proposto por Talbot e aprimorado por outros. Não foi a primeira variante seca de calótipo (por exemplo, a versão encerada de Le Gray bem anterior), mas trouxe uma simplicidade interessante de procedimentos com ótimos resultados.

Li recentemente com mais atenção esta introdução. Pélegry justifica a importância que o negativo de papel ainda tinha para a fotografia, com suas vantagens e desvantagens sobre o negativo de vidro de colódio, processo reinante na época, e também a albumina, que nesta caso é o negativo de vidro de albúmen, processo menos conhecidos, pouco sensível mas muito definido. Também é interessante vermos como era pensada a relação que a Fotografia deveria ter com o Desenho e Pintura.

As duas notas de rodapé são originais do texto. Eu apenas darei uma rápida explicação sobre a impressão em carvão, que é citada mais ao final da introdução. Quando a impressão em carvão é feita a partir de um negativo de vidro, ela fica invertida horizontalmente (coisas escritas saem ao contrário). Se quiser corrigir, é necessário uma segunda transferência de suporte da imagem. O papel, por ser fino, permite que ele seja usado já invertido, dando a primeira cópia a orientação já correta.

Segue a tradução do texto:

INTRODUÇÃO.

De todos os processos negativos até hoje empregados na Fotografia, o processo em papel seria sem dúvida o mais conveniente e aquele que escolheríamos preferencialmente se combinasse todas as vantagens do colódio, sem ter as desvantagens; mas é preciso admitir que não pode competir com este por vistas estereoscópicas e gravuras em pequena escala, e também por obras de maior formato que são executadas em estúdio e que exigem rapidez. Mas quando se pretende operar fora da oficina, nos formatos da placa normal e superiores, os inconvenientes do processo do vidro são numerosos: dificuldade de manuseio, perigo de quebra durante a viagem, acidentes de todos os tipos que podem arranhar ou manchar a película de colódio, bagagem pesada e volumosa.

O papel é imune a todas essas desvantagens: a bagagem é simples e leve, o manuseio fácil e seguro, o sucesso infalível e uma matriz finalizada é quase inalterável.

Essas vantagens atingiram homens eminentes que, após a bela descoberta de Niépce e Daguerre, fizeram rápido progresso na maravilhosa arte da Fotografia. Um deles, Sr. Charles Chevalier, escreveu algumas linhas sobre este assunto em 1859 que ainda são atuais depois de vinte anos [1]:

“Há vários anos”, diz ele, “temos relatado uma tendência infeliz: como é que o chamado processo de colódio ainda reina supremo? Como é que, à exclusão de qualquer outro processo, este impõe sua lei? No entanto, seria desejável ver cada processo em seu lugar; tudo se ganharia se se usasse o colódio para os retratos, as cenas animadas, os detalhes arquitetônicos [2], a albumina para as gravuras, e finalmente o papel, este querido papel, para as paisagens, e a palavra paisagens entende muitas coisas, porque não devemos entender que o papel se aplica apenas à reprodução de massas de vegetação, restolhos e estudos de árvores, mas também deve ser usado para monumentos antigos;  em suma, onde surge o pitoresco, deve-se usar papel.

Insistamos, novamente portanto, no que parecemos ignorar demais, e repetir que o processo conhecido como papel seco, ou mesmo úmido, é o que para a paisagem é mais adequado para reproduzir a natureza; modelagem, finesse, harmonia, tons suaves, degradação correta dos planos, todas essas qualidades pertencem ao papel, e é em vão que se buscaria substituí-lo por outro processo. Assim, o colódio e a albumina fornecem paisagens muito detalhadas, mas muito claramente; o efeito está ausente em todos, e a secura das impressões obtidas por meio dos negativos de vidro mostra imediatamente que esse meio é inadequado para a representação da natureza como a arte a vê.

Além das vantagens que já referimos na utilização do papel, não podemos esquecer a facilidade de operação, a ausência de fragilidade das provas, etc., etc.  Para viagens, esse processo é, portanto, único. Quantas provas em vidro se quebram antes de serem transportadas para o papel e quais as dificuldades em não operar com vidro nas montanhas e em viagens?  Em geral, é desistir da Fotografia.  Mas felizmente o papel nos salva, e, quando a obstinação geral tiver diminuído, então ganharemos em dobro, porque teremos um número muito maior de provas e pelo menos teremos imagens brilhando com a verdade e que poderemos nomear corretamente de produtos da arte fotográfica.”

Não há nada a acrescentar a este fundamento. As vantagens do processo em papel foram reconhecidas, embora os meios de execução ainda fossem bastante imperfeitos. Eles estão bem aperfeiçoados hoje. A fabricação de papel teve um progresso significativo; algumas qualidades especialmente concebidas para processos negativos permitem obter matrizes cuja pureza e transparência rivalizam com as do vidro, sem produzir dureza. Essas matrizes também atendem a uma necessidade decorrente da impressão em carvão; podem ser feitas pelo verso sem que a delicadeza da cópia seja alterada de forma alguma, e assim se elimina uma operação muito delicada, que é a inversão da prova, necessária com as matrizes de vidro.

Compreendemos, pelo que precede, que, se o fotógrafo que trabalha apenas na sua oficina consegue, em certos casos particulares, encontrar alguns recursos no processo que vou descrever, não é a ele especialmente que se dirige esta monografia: ela é voltada mais especificamente para artistas e viajantes. Tendo feito do estudo da natureza a ocupação de toda a minha vida, muitas vezes me arrependi de não ser capaz de preservar, a não ser por alguns esboços insuficientes, a memória de belas cenas da natureza diante das quais não consegui parar o suficiente para desenhar estudos sérios. Abordar com Fotografia em colódio complicaria muito minha bagagem e me obrigaria a ser sempre seguido por um ajudante, o que teria sido insuportável para mim. Só quando consegui operar no papel pensei em acrescentar a câmara escura à minha caixa de paisagismo, e a Fotografia, praticada desta forma ao mesmo tempo que a Pintura da Natureza, me proporcionou os recursos mais valiosos.

O pintor que muitas vezes colocou seu cavalete diante da natureza acaba aprendendo sobre cores e os efeitos. Uma iluminação particular, um jogo de sombras e luzes podem ficar gravados em sua memória, e ele os encontrará quando quiser reproduzi-los. Além disso, deve ser assim, pois esses efeitos costumam ser tão passageiros que é impossível sonhar em copiá-los da natureza. Mas não é o mesmo para os mil detalhes que compõem um belo lugar. Essas formas de árvores tão variadas, esses galhos se entrelaçando que se cruzam em todas as direções, essas rachaduras nas rochas de formas tão bizarras, todos esses detalhes multiplicados ao infinito pedem para serem traçados pelo lápis ou pelo pincel, e quem quisesse se referir apenas à sua memória para traduzi-los na tela ou no papel, cairia infalivelmente nesse desenho convencional, sempre mais ou menos o mesmo, e que a gíria das oficinas desvaloriza com o nome de lugar-comum. Não é que eu afirme que o artista deva copiar servilmente as formas da natureza reproduzido pela Fotografia; longe disto. É raro encontrar um lugar completo para reproduzir exatamente; é uma boa fortuna da qual o artista fará bem em aproveitar. Mas tal lugar que parecerá insignificante para o vulgo atrairá o olhar experiente do artista, porque ele entenderá que modificando o plano, levantando ou abaixando certas partes, corrigindo o paralelismo feio de certas linhas, ele pode compor um quadro bastante diferente sem deixar de ser verdadeiro; e quão fácil não será ele estudar essas mudanças se tiver uma impressão de foto sob seus olhos? A Fotografia copia a natureza com uma precisão admirável, mas servil. O Desenho e a Pintura copiam-na idealizando-a, e nisso reside a sua superioridade, que jamais lhes será tirada. As duas artes reunidas chegarão a um resultado completo, dando-se ajuda mútua. O pintor poderá lançar sobre sua tela, diante da natureza, sem grande preocupação com a forma, uma indicação da cor e dos efeitos de sua pintura; A Fotografia fornecerá os detalhes finais em estúdio.

Quanto aos viajantes e simples turistas que não terão o talento do desenho, que satisfação não sentirão em trazer de volta memórias visíveis de tudo que os terá impressionado em suas andanças? Ficarei feliz se facilitar a alguns deles a prática da arte da fotografia, diante das dificuldades das quais muitas vezes recuamos. Além disso, essas dificuldades são mais aparentes do que reais.

Todos os Tratados de Fotografia deram fórmulas para a preparação de papéis negativos; a maioria das fórmulas para colódio também pode ser aplicada ao papel;  são numerosas, não darei novas. Orientado pelo conselho de meus colegas da Sociedade Fotográfica de Toulouse, apliquei aquelas que já são conhecidas, simplificando-as; a lubrificação do papel, de que até pensei ter tido a primeira ideia, já foi experimentada, no lugar da cera, antes dos banhos sensibilizantes, enquanto eu só o uso depois de revelado. O papel não preparado absorve muito melhor as substâncias contidas nos banhos, e o preparo fica muito mais fácil.

Convencido de que na Fotografia o fracasso às vezes vem de muito pouco, um pouco de precaução negligenciada, um truque que não foi pensado, entrarei em detalhes minuciosos sobre as várias operações que compõem o processo. Atrevo-me a afirmar que, fazendo-os com atenção, obter-se-ão com a maior facilidade resultados excelentes.

Lamento só poder dar como amostra uma prova da dimensão de um quarto da placa. Não basta para julgar o efeito artístico das provas em papel obtidas em dimensões maiores.  Só será visto a partir deste fragmento que este processo tem uma sutileza bastante grande.  Foi reproduzido por M. Quinsac, de Toulouse, cujos trabalhos de Collotype obtiveram na Grande Exposição de 1878 a primeira das recompensas, a medalha de ouro.

 Arsène Pélegry,

 Membro da Sociedade Fotográfica de Toulouse.

 Junho de 1879.


[1] CHARLES CHEVALIER, Méthodes photographiques perfectionnées, setembro de 1859.

[2] Fazemos nossas reservas sobre este ponto.  O papel pode muito bem ser usado para a reprodução de detalhes arquitetônicos.


Para quem quiser pesquisar o documento original em francês, existe uma cópia digital no archive.org, veja clicando aqui.

Abraços, Roger Sassaki.


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